São Paulo – Os meus avós eram da Síria e do Líbano e vieram para o Brasil na época da 1ª Grande Guerra. O meu avô paterno, Camasmie, veio de Homs, na Síria, e o meu avô materno, Badra, veio de Zahle, no Líbano. Meu avô Badra foi para Santa Cruz das Palmeiras, interior de São Paulo, mascateou, teve loja, foi fazendeiro. O meu avô Camasmie era professor, mas como não sabia falar a língua portuguesa quando chegou ao Brasil, também foi mascatear. Depois abriu uma loja de armarinhos na rua 25 de Março.
O meu pai, Demétrio Taufik Camasmie, seguiu no comércio. Conheceu minha mãe, que sempre foi muito bonita, e se encantou por ela. Tiveram quatro filhos, eu, duas irmãs e um irmão. Eu nasci em 1938, em São Paulo, pouco antes da 2ª Guerra Mundial. A família do meu pai falava muito árabe em casa, mas em função da guerra eles não quiseram ensinar os filhos. Por este motivo não falo o árabe. Mas a comida árabe é muito presente na nossa casa.
Mamãe era católica da Igreja Melquita (Igreja Greco-Católica Melquita), mas frequentava a Igreja Católica (Apostólica Romana). Eu estudei em um colégio católico, o Sacré-Coeur de Marie. Depois fui estudar Pedagogia, com extensão em Psicologia, no Instituto Sedes Sapientiae. Larguei a faculdade para me casar, o que era muito comum naquela época. Só vim a concluir os estudos quando meus filhos cresceram. Voltei e terminei o curso na Pontifícia Universidade Católica (PUC). Fiz Pedagogia com ênfase em istração Escolar, o que me deu um e bem grande para depois trabalhar na [instituição beneficente] Mão Branca.
A Mão Branca foi fundada no Salão da Igreja Ortodoxa Antioquina, em São Paulo. Um grupo de mulheres se reunia e distribuía alimentos, remédios e prestava cuidados aos idosos menos favorecidos. Até um dia em que um idoso não foi pegar os alimentos. Elas foram visitá-lo e ele estava morto. O começo da Mão Branca foi assim, em 1912. Na década de 1940 foi comprado um sítio de dez mil metros quadrados em Santo Amaro (zona sul de São Paulo) e a sede foi construída com as doações da comunidade no local onde ela está hoje. Todos os pavilhões foram doados e têm o nome das famílias doadoras.
Nessa época, com 42 anos, comecei trabalhar como voluntária na Mão Branca. O grupo que entrou comigo mudou muito as características da entidade. Formamos um grupo bom e coeso para trabalhar. Os idosos sempre foram muito bem tratados na Mão Branca, mas faltava alguma coisa!
Logo nos primeiros dias , fui conversar com uma senhora e perguntei a ela qual era o nome da idosa que estava ao lado dela. Ela não sabia. Então eu pensei: “Estamos precisando mais comunicação!”. Perguntei também o que elas faziam o dia todo e ela me disse: “Ficamos aqui esperando a morte chegar”. Aquilo me tocou lá no fundo do coração e eu disse: “Eles estão precisando de lazer!”.
Aí criamos um grupo bem grande de voluntárias que levavam lazer e conversavam com eles. Íamos de quarto em quarto conversar. Os idosos que podiam levantar, tirávamos da cama. Começamos a fazer pequenas mudanças nas suas rotinas. Criamos momentos de lazer: jogo de bingo, confecção de bijuteria, desenho, tudo voltado para esta faixa etária. As integrantes deste grupo se tornaram diretoras com o ar do tempo.
Mais recentemente, criamos núcleos de convivência para idosos na periferia de São Paulo (NCD). Eu fazia alguns trabalhos sociais na região de Capão Redondo (zona sul de São Paulo), conheci o salão da igreja de lá e resolvi perguntar se nos deixavam fazer um grupo de convivência para idosos no local. Deu certo. As avós normalmente ficam tomando conta dos netos, os filhos ficam com suas aposentadorias e elas nunca têm um momento lazer. Nos núcleos encontram este tempo para elas.
Hoje os núcleos são um braço da Mão Branca. O núcleo de Capão Redondo já foi fechado, mas temos outros quatro núcleos: Jardim Ângela, M’Boi Mirim, Campo Limpo (todos na zona sul) e Brás (região centro-leste da cidade), todos funcionam com igrejas católicas. Muitos que estavam desanimados dentro de casa começam a viver de novo com este momento de lazer. Todo mundo precisa de divertimento. Temos mais de 400 idosos nesses núcleos. Também fazemos visitas aos idosos acamados das regiões, levando remédios e o que precisam.
Na Mão Branca temos a ILPI (Instituição de Longa Permanência), que é o atendimento aos hóspedes da casa, aqueles que moram na Mão Branca. Temos há dois anos também o Centro Dia (NCI), pelo qual o idoso a o dia na Mão Branca e volta para dormir com a família. E temos esses núcleos de convivência com lazer, dança, atividade física, confecção de bijuteria e outras atividades.
Tivemos grandes doadores, todos os pavilhões da sede em Santo Amaro foram construídos com doações, mas hoje isto está cada dia mais difícil. Não existe no Brasil a cultura da doação, principalmente para idosos, é difícil conscientizar pessoas e empresas de quão importante são suas contribuições. A velhice é muito dura. Falo por experiência de causa, o físico da gente se deteriora. Precisamos de muitos recursos, pois o custo de vida dobra quando a pessoa fica idosa.
A Mão Branca acolhe a todos com excelência, temos médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, cuidadores, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, todo tipo de profissional necessário.
Se conheço países árabes? Sim, fui para o Egito com meu marido, pois estudei muito a história egípcia e queria muito conhecer pessoalmente. Depois fomos para Damasco e Homs, na Síria, e para Zahle, Beirute e a cidade dos pais do meu marido, no Líbano. Foi uma emoção muito grande conhecer o lugar em que meus avôs nasceram. O que eu herdei dos árabes? Pergunta difícil, eu não sei exatamente (…), mas acho que a generosidade.